Vou escrever sobre o que eu quiser?
- Andrei Moscheto
- 3 de out. de 2019
- 3 min de leitura
Fui convidado a escrever pro Plural sobre teatro, aquela arte a qual você pode ser um assíduo frequentador ou que você vai obrigado quando alguém da sua família está no elenco.
Quando recebi o convite, respondi de cara.
– Desculpa, Seu Plural, eu não quero escrever críticas teatrais. Não me sinto capacitado a avaliar o trabalho dos meus colegas.
– Não precisam ser críticas teatrais, não. Você pode escrever relatos, ensaios, crônicas sobre o assunto. Você pode escrever da maneira que quiser.
A parte “da maneira que você quiser” deu um eco retumbante dentro da minha cabeça.
– Certeza, Seu Plural?
– (de maneira pouco enfática) …certeza, Andrei.
– Você vai se arrepender disso..
– O que foi?
– Nada, seu Plural! Nada.
– Você disse alguma coisa…
– É só impressão sua.
– Andrei, nossa conversa está escrita. Eu posso ler ali em cima.
– Não precisa, está tudo bem! Não olhe pra cima, olhe aqui! Vou escrever aquele meme de pontuação que todo mundo mais ou menos entende o que ele é: ¯\_(ツ)_/¯
(Memes são ótimos, eles distraem as pessoas de coisas importantes)
Da conversa pulamos pra hoje, que é a estreia da coluna. Hoje é a estreia da coluna que eu posso escrever “da maneira que você quiser” (ouço com um eco retumbante de novo, enquanto escrevo). O que parecia ser uma bênção virou rapidamente uma maldição. A minha liberdade de criação tornou-se uma corda ao redor do pescoço, apertando lentamente, enchendo o peito de medo da impressão que as pessoas terão sobre esta coluna.
Estreias são extremamente extressantes. São tanto, mas tanto, que acabei de escrever “estressantes” com “x” e, se você reparou, talvez você tenha ficado estressado – ou extremamente extressado. Talvez o erro seja pelo nervosismo, pela vontade de que comece logo, pelo medo de que todo mundo odeie e grite “FECHEM ESTA COLUNA!”, pela vontade de acertar. Mas talvez não seja um erro, talvez seja uma nova palavra brasileira em que estamos muito estressados num momento em que só queremos nos expressar. Então, igual misturar o nome dos pais pra batizar o filho e obrigando a pessoa a explicar o significado pelo resto da vida, hoje parimos “extressar” – e que os puristas me perdoem.
Eu sei que as suas estreias também não foram fáceis. Nascer, por exemplo, uma estreia clássica, em que o que abre não são exatamente cortinas. A sua primeira vez na escola. A sua primeira vez viajando por conta própria. A sua primeira vez… em tudo!
Estreias são extressantes e aqui, nesta coluna, enfatizaremos a estreia cênica. Foram meses de preparação, todos eles carregados de suor, lágrimas, dedicação. Tem o trabalho de cada uma das pessoas envolvidas, a criação de muitos artistas e suas decisões, todos querendo que o seu trabalho seja bem recebido, que o público goste, que a crítica ame, que os premiadores enalteçam, que os festivais convidem, que o circuito internacional exija a sua presença! E é por todos esses sonhos e essa dedicação é que eu não tenho a menor vontade de criticar trabalhos dos meus colegas.
Pra criticar de verdade você tem que estar apto a colaborar e a continuar o processo da montagem, porque os criticados estão ansiosos para te ouvir e isso pode abrir portas. Tem que abrir para além do gosto pessoal, pois temos criadores de múltiplas linguagens e todos merecem o espaço em um veículo PLURAL como este. Tem que ter o conhecimento técnico, artístico e outros etcs necessários e, apesar dos quase 35 anos de carreira, não me sinto confortável em fazer isso. Só de pensar já fico eXtressado.
Agradeço ao Seu Plural pelo convite de escrever sobre teatro e aceito-o, humildemente. Em tempos em que espaços teatrais estão sob risco de censura, toda chance de ter liberdade para falar merece celebração, ainda mais num espaço pra se falar da maneira que quiser –ouço o eco retumbante, de novo, mas tudo bem: talvez daqui um tempo a total liberdade não nos assustará mais.
PS – Nesta coluna, quando estava falando sobre estresse e expressão, comecei a pensar na arte do barista. Será que, quando ele cria, ele se “espressa”?
Chega de neologismo por hoje!

Publicado originalmente em Jornal Plural em 3 de outubro de 2019







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