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  • Foto do escritorAndrei Moscheto

Só pare com isso - o ódio insensato contra o ócio


Eu escutei da primeira vez e achei que era mentira. Não é possível que alguém estivesse ameaçando o sono da pessoa para que ela fosse mais produtiva. Mas era real.


Nas férias acabei vendo tevê aberta com alguma frequência. Fazia anos que não via. É assustador: o conteúdo (?), as propagandas, a quantidade de violência. Uma matéria que eu vi no jornal e me chamou a atenção - porque se repetiu por muitas vezes - foi dos empresários reclamando da quantidade de feriados prolongados deste ano.


É sério? O descanso, o ócio, aquilo que propicia a vida pela qual se trabalha, é o maior vilão de todos?


O que me assusta é que eu tenho uma triste recordação, de um textos selecionados pelo Noam Chomsky que eram de defensores da escravidão americana no século XVIII, argumentando que a liberdade dos escravos iria atrapalhar a produção americana levando o país a uma recessão impossível de ser revertida.


O ócio faz parte da razão da nossa vida e da razão pelo qual trabalhamos. Abrir mão do nosso descanso pode soar bonito entre amigos que soltam palavras em inglês a esmo, e que falam que vocês tem que "startar" a troca do "mindset" assim que você me der um "call" a gente "invita" todos pra um "all hands". Mas você tem que olhar com clareza para saber se essa é a opinião de alguém que quer o seu melhor ou de um feitor de escravos disfarçado, que trocou a chibata por um powerpoint bem bonitinho, que vai te convencer que a culpa por você não fazer sucesso é sua.


Assusta saber que tem gente que fala isso a sério. Piora quando você vê pessoas incluindo isso em seu vocabulário. Ontem encontrei um amigo que é vigia e ele me disse que este mês está cobrindo um outro turno, trabalhando quase 20 horas por dia. Eu pergunto sobre o sono, sobre a família. Ele, com um sorriso no rosto, diz que a gente vai descansar quando morrer, né?


É.


E quão mais rápido ela vai chegar se a gente continuar nesse ritmo?


Se você procurar o termo "the importance of rest in productivity" você vai ficar estupefato com a quantidade de artigos que falam sobre isso e com dados apontando o aumento da produtividade porque a empresa entendeu que o descanso era igualmente importante as horas trabalhadas. Mas não é isso que a mente escravista do século XVIII pensa. Ela quer que você trabalhe mais, que você não cesse, que você esteja tarde na empresa, seja o primeiro a chegar, a empresa quer ver "brilho no olho" (uma expressão canalha, afinal quem tem que fazer o olho brilhar é quem propõe, não a quem é submetida a tarefa).


Durma o seu sono merecido. Trabalhe o que for possível. Faça o seu melhor, todos os dias. Mas não troque a sua existência, sua convivência com quem você ama, seus objetivos maiores de vida por um elogio vazio do cara que só sabe falar das maravilhas do smartwatch dele.


Espero que você durma e que, nos sonhos, você acabe encontrando alguma ideia para uma vida melhor para todos nós.


PS - Obrigado ao podcast Braincast, lá do site B9, pelo episódio "331 - Copa de Buzzwords: Ultimato", que eu fui ouvindo e fui enchendo de raiva pelo mundo corporativo"


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