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O Japonês e a Ressaca

  • Foto do escritor: Andrei Moscheto
    Andrei Moscheto
  • 6 de fev. de 2008
  • 3 min de leitura

Quarta de manhã. Cedo. A luz lá fora anuncia o final de mais um carnaval. "Tem japonês no samba", gritavam as pessoas ao redor. Mas ele não ligava e continuava dançando todas as noites, com esse jeitinho de desenho do He-Man. Muito carnaval, muita folia. muito tudo. Hora de trabalhar. Lá vai ele. O corpo vai, a cabeça sempre chega uns segundos depois, causando dor na freada de chegada. No trabalho, o pessoal do Escritório não está diferente. Todos com aquela cara inchada. Menos o chefe, claro. O chefe não pulou carnaval. Ele se preservou. Pra continuar a torturar todos na quarta-feira de cinzas. Que não é feriado, porque o chefe não acredita em Deus. Ele acredita em hora extra. Já chega lançando perguntas a torto e a direito, sobre coisas que deveriam estar prontas desde antes do Natal, portanto agora deveriam estar mais do que acabadas senão todos aqui vão ver uma coisa e blá, blá,blá. O japonês sorri por dentro. Está tudo pronto, e ele vai ter o prazer de contar pro chefe. Em voz alta, na frente de todo mundo. A melhor cura possível pra uma ressaca é ser o herói do escritório numa quarta-feira de cinzas. Ele levanta. Ele fala.

Só sai japonês de sua boca. Ninguém no escritório entende nada. O chefe considera uma brincadeira de mau gosto. Um amigo polaco até estranha, pois foi ele quem ensinou o japa os nomes dos sushis. O japonês leva a mão a boca. Olha a todos. Pede desculpas pela confusão.

Só sai japonês de sua boca.

O chefe, vermelho de raiva, esbraveja. O pessoal do escritório fica atônito, sem saber se é uma brincadeira, uma "piada prática" - como diriam os americanos. O japonês está lívido. Sua única explicação: ele perdeu seu português durante o carnaval. Era preciso encontrá-lo, e rápido. A saída hollywoodiana do escritório será lembrada por anos na empresa. Especialmente o chefe que, de tanta raiva, foi parar no pronto-socorro. A busca pelo português começa de trás pra frente. No boteco da última noite, porque não podia pegar tão pesado antes de voltar a trabalhar. Nada. No salão do clube, onde cair na piscina com a roupa de marinheiro parecia adequado - pra descobrir, tarde demais, o quanto o branco ficava transparente quando molhado. Nada. Na orla da praia, quando uma havaiana de Santa Catarina passou mal no seu colo, mas continuava linda sob a luz do luar (ou sob o efeito do álcool). Nada. Foi na boate gay, onde ele jura que só se vestiu assim porque era tradição. Nada. Voltou pra casa. Contou para todos o que estava acontecendo, com a ajuda dos avós que ainda falam japonês muito bem. O irmão menor não agüenta e dá uma risada, fora de hora. Tira do bolso o português, roubado num dos desmaios do mano em seu quarto. Roubara no sábado, e aguardava que o irmão percebesse muito antes. Vários palavrões em japonês, que não foram traduzidos pelos avós. Na quinta, ele vai ao escritório aguardando a demissão. O chefe, safenado, não voltará essa semana. Nem na próxima. Chefão - o sujeito acima do chefe - considerado tudo um mal entendido, um trauma pós-feriado, que deve ser esquecido para que todos voltem ao trabalho. Todos olhavam o japonês com certa admiração contida, e pequenos favores como cafezinhos, chocolates e material de escritório novo apareciam em sua mesa todos os dias. Eles mal podiam esperar o que o japonês faria depois da Páscoa.

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